Semana passada deixei nosso carro na concessionária para uma inspeção gratuita do fabricante, que também dava direito a uma higienização. A concessionária fica em torno de 15 minutos a pé da minha casa, numa avenida bastante agradável, segura e arborizada, com pista de caminhada. Como o serviço demoraria até 3 horas, achei que seria um ótimo momento para largar o carro lá, me armar de fones de ouvido e voltar a pé tranquilamente, ouvindo música. Não fazia isso há muito tempo. Além de tudo, tava rolando um friozinho a ponto de conseguir andar de moletom, o que me agradava mais ainda. É raríssimo conseguir usar uma blusa de moletom perto das 11h da manhã em Rio Preto. Precisava aproveitar a oportunidade.
A Michele comprou, há alguns anos, os AirPods da Apple. Pra quem não conhece, é o fone basicão sem fio da Apple. Nas últimas semanas, ele pareceu ter dado sinais de desistência da vida: menos de 10 minutos de uso já eram suficientes para a bateria descarregar. E nós só temos esse fone. Ou seja, minha caminhada ia ter que rolar sob a trilha sonora dos carros, motos, caminhões, ônibus e pássaros lutando pra ver quem fala mais alto.
Eu nem fui atrás ainda de saber se vale a pena levar esse fone para uma assistência técnica a fim de reanimá-lo. Apenas me serviu para refletir e me fazer sentir saudade do bom e velho fone com cabo P2, que vinha até com aquela espuminha preta. Durava menos que um AirPod? Não sei lacrar, mas certamente era bem mais barato e não tinha esse inconveniente de manutenção, de preocupação com a vida útil da bateria. Não vinha com uma base-estojo. Era um cabo enrolado e negligente que se misturava com as chaves, moedas e farelos de Doritos no bolso da mochila. E só.
Saudosismos à parte, às vezes sinto que essas novas tecnologias miram na praticidade mas, em algum momento da vida, nos trazem ainda mais transtornos. Vide o universo dos brinquedos infantis recheados de pilhas e placas eletrônicas. Você compra um brinquedo escalafobético, barulhento, e ele perde a vida assim que a pilha acaba. Se torna um peso. Nesse interim, temos uma criança chorosa, um brinquedo momentaneamente inútil (não entrega mais o que propõe), pilhas usadas — um lixo tóxico que agride o meio ambiente e que precisa ser descartado corretamente — além de mais um problema pra resolver: comprar pilhas novas.
Lembrei do aniversário de 2 anos de um dos meus sobrinhos, em 2008, quando o presenteei com um daqueles patinhos de madeira que batem as asas quando a criança empurra.
Ele também havia ganhado um dinossauro, um T-rex que urrava e acendia luzes coloridas enquanto dava pequenos passos. Te dou um patinho de madeira se você adivinhar com qual ele ficou brincando durante a festa quase inteira. É bem verdade que naquela época eu era um quebrado e precisava ser muito criativo para presentes, portanto um brinquedo que levava pilhas estava fora do meu orçamento, mas eu lembro que havia comprado com a clara intenção de fazê-lo se movimentar. E deu muito certo.
Será que brinquedos analógicos são mais intuitivos para uma criança, que já é neurologicamente inquieta por natureza? Será que chafurdar nessa lama de controles remotos, pilhas e baterias é natural pra nós, adultos?
Eu sempre penso nisso quando algum eletrodoméstico novo entra aqui em casa. No momento, por exemplo, tô amando nossa cafeteira elétrica. Usamos todos os dias. Nada contra o cafezinho coado, adoro também. Mas a máquina… ahhh, tira um cafezinho tão rápido, como o próprio nome diz: expresso.
Hmm, boa aquisição… mas só quero ver quando esse troço der defeito.
Porque o problema da tecnologia moderna é que, quando quebra, não quebra só o objeto: quebra também o nosso ânimo de resolver. Colocam pilhas bem potentes na nossa capacidade de procrastinação. Aquele troço vai simplesmente juntando poeira no armário. Aliás, acabei de me lembrar que tem um mixer quebrado na gaveta da cozinha há anos. Que absurdo. Por que fazemos essas coisas?
Se eu abrisse uma clínica geriátrica para pequenos eletrodomésticos, o mixer seria um dos fundadores. Ao lado de um DVD player portátil e disléxico que não consegue ler mais nada, um relógio despertador da Shopee e um gravador digital de mão com a espuminha faltando um pedaço comido pela Julieta, minha falecida golden retriever. Um museu silencioso de promessas de praticidade que morreram na praia — ou melhor, no armário. E na gaveta.
E pensar que o fone com fio não precisava de muito. Não tinha aplicativo, senha, Wi-Fi, nem bateria de lítio. Só um plugue e pronto. Ele funcionava direto no radinho ou no Discman. Os brinquedos de fricção corriam como loucos no chão de casa, os carrinhos de puxar não exigiam nada além de uma cordinha. Nada de tutoriais no YouTube pra descobrir como desligar, emparelhar ou reiniciar.
Talvez a gente esteja aceitando demais esse ciclo maluco de comprar com a promessa de facilitar, e depois descartar com a desculpa do “não vale consertar”.
Será que estamos mesmo ganhando tempo? Ou só acumulando pequenas frustrações e objetos quebrados?
Bom… agora só me resta saber se vale a pena consertar o AirPod. Ou se coloco ele no purgatório junto com o mixer e todos os outros sonhos tecnológicos aposentados da casa.
Adorei o texto. Penso nessas coisas, e fico grata por você escrever sobre isso.
Concordo contigo, me assusta essa quantidade de "invenções" para facilitar nossa vida e ao mesmo tempo incomodar e nos afastar daquilo que seria mais "saudável" em vários aspectos.