Comprei uma garrafa Stanley de 700mL para beber água.
Sim, eu bebo muita água. Por dois principais motivos: primeiro, moro numa cidade chamada São José do “Hell” Preto, uma sucursal do Saara de maio a outubro e sucursal de Manaus de novembro a abril, onde o capeta está constantemente fungando no cangote; segundo, tenho tendência genética a pedras nos rins. Por isso, passo o dia inteiro carregando-a pra cima e pra baixo. Não sai do meu lado na mesa do computador. Fica comigo no sofá enquanto assisto Netflix. Vai comigo para a academia todos os dias. Se saio de carro, fica no porta-copo ao meu lado. Essa garrafa passa mais tempo comigo do que meus protetores espirituais. E olha que eles trabalham 24/7 kkkk
Vou te fazer uma pergunta e eu quero que seja absolutamente honesto: te incomodou eu começar este texto revelando a marca da garrafa? O que você sentiu? O que pensou de mim? Eu adoraria que você comentasse sobre isso, só pra ver se você sentiu a mesma coisa que eu sentiria há meses atrás se me deparasse com um texto como esse. Vou explicar.
Eu já tive todo tipo de garrafa que você possa imaginar. De plástico, de brinde, de aço, de alumínio, de vidro com tampa de madeira, de metal com tampa de plástico, de loja de “1,99”, da Imaginarium, da Nespresso etc etc etc. A minha última garrafa foi herdada do meu falecido pai, da Imaginarium. Ela tinha um design bem decente e um bom material, mas eu havia perdido a tampa e também estava ficando toda amassada. Eram muitos anos de uso. Achei que era hora de ter uma boa garrafa e fui perguntar ao meu amigo Gepeto. (chatGPT).
“Gepetão, diz aí uma garrafa de água interessante, acima de 500mL, que seja legal comprar.”
Gepetão me mandou uma tabela com as garrafas de melhor custo-benefício do mercado. A Stanley era a segunda da lista. Não lembro da primeira, só lembro que ela tinha apenas 510mL e eu queria uma maior. Fui assistir a vídeos no youtube dessa Stanley e me interessei muito pelo sistema de abertura da tampa, munida de um simples botão. Nada de ficar rosqueando toda hora ou fazendo força para abrir ou travar em outros sistemas de vedação. Como eu bebo água toda hora, fazia sentido. Decidi arriscar e pagar R$200,00, já esperando me decepcionar com o marketing aparentemente agressivo da marca. Meu pensamento foi: “Por esse preço, deve ser um pouco melhor que as últimas que tive, mas não vou criar tantas expectativas.”
A garrafa chegou. Depois de uma semana de uso, percebi que estava diante de algo interessante e realmente diferente. Cheguei à essa conclusão depois de deixá-la duas horas dentro do carro exposto ao sol, e quando voltei, a água ainda estava gelada, como eu havia deixado. Aquilo definitivamente me conquistou, principalmente porque não era qualquer sol. Era o sol de São José do Rio Preto. Porém, eu não quero ficar falando da garrafa aqui como se fosse uma publi, o ponto central desse meu post é: por vários momentos, senti vergonha de ter uma garrafa Stanley. E decidi escrever sobre isso ontem, quando estava indo dormir e parei na cozinha para enchê-la de água pela milionésima vez. Pensei: “Nossa, como eu amo essa garrafa” e imediatamente senti vergonha de pensar isso, por ela ser de marca. Ainda mais Stanley, uma marca que acabou sendo arranhada pelas distorções, podendo ser definida como um dos principais acessórios que ajudavam a descrever o pessoal da Faria Lima ou o perfil “hetero top”. Eu sempre tive essa impressão de que essa garrafa era desnecessariamente cara e não passava de exibicionismo de pessoas aparentemente ricas ou inseguras. Ostentação que chama, né? Nossa, como eu tive que lutar com meu subconsciente para compreender que isso é uma grande bobagem.
É desconfortável admitir, mas o sentimento que tive ao caminhar com a garrafa em mãos pela cozinha iluminada apenas pela penumbra das 23h30 ainda expõe algumas crenças arraigadas que eu possa ter em relação a dinheiro, abundância e prosperidade, calcadas em necessidade de aprovação e pertencimento. E se você se incomodou com o início do meu post, isso pode servir pra você também, e dá até pra se aprofundar um pouquinho mais.
Olhando para o meu passado, eu sempre tive um pouco de vergonha de ser privilegiado. Tive oportunidades que a esmagadora maioria da população brasileira não tem a menor chance de acesso. Ainda mais sendo homem e branco. Até os meus 13 anos, morei em um bairro bem simples em São José dos Campos, a Vila Letônia, onde diariamente recebíamos pedintes no portão, de todas as idades e gêneros, pedindo “alguma coisa pra dá”. Às vezes doávamos roupas, às vezes comida, sobras, enfim. Ou seja, eu já sentia vergonha de ter uma posição privilegiada dentro do meu próprio bairro. Quando nos mudamos para um condomínio fechado de classe média/alta, onde permaneci até entrar na faculdade, sentia mais vergonha ainda, porque quando contava para alguns amigos que estava morando no Colinas, eu podia sentir o julgamento. Isso era 1994 e o Brasil era bem diferente. Havia uma desigualdade um pouco maior que a de hoje e ainda estávamos aprendendo a sair da hiperinflação. O real havia sido implantado naquele ano e a moeda enfim começava a estabilizar.
Eu sempre vivi dessa maneira conflituosa: um desejo grande de experimentar abundância e prosperidade, mas com um freio de mão puxado pela sensação de injustiça social. Eu era um garoto com necessidade de pertencer, custe o que custar, mas pelo jeito não queria pertencer à nenhuma das classes. Longe de querer a pobreza, mas também não aprovava a ostentação. Apenas queria que fôssemos todos mais ou menos nivelados (por cima, é claro). Seria bem mais fácil.
Por isso, nas profundezas do meu subconsciente, a ideia de comprar uma garrafa Stanley me deixava tão desconfortável. O marketing do qual eu tinha conhecimento me posicionava nesse local de aparente ostentação e futilidade. Precisei recorrer à pesquisas de satisfação e só assim fui ficando mais convencido de que não, não era para tanto. Foi um pequeno desafio demolir esse preconceito. É um item que está atendendo perfeitamente às minhas necessidades e eu precisei vir aqui contar isso, para que você não tenha vergonha de admitir que gosta de uma marca, se ela te atende tão bem em ocasiões que têm significado pra você. Pode ser uma peça de roupa, uma caneta, um celular, um carro…
Comenta aí, você tem algum objeto de marca super queridinho, mas tem vergonha de admitir? Como você lida com suas crenças sobre prosperidade e abundância?
P.S.: Michele também adorou e comprou uma igual kkkk
Obrigada por essa reflexão, Leandro. Ainda estou nessa fase de me sentir mal por alguns privilégios🤦🏻♀️ Seu texto me fez lembrar de uma sombrinha que comprei na Imaginarium, me culpei pelo preço que paguei por um bom tempo, mas já tenho ela há 8 anos e aguenta muito bem os temporais aqui do sul 😂
Agora estou pensando na garrafa Stanley. 🙈
Já tive uma fase assim na vida e também demorei a comprar uma garrafa Stanley, sou apaixonada e dei uma pro marido que tb não tinha coragem de comprar 😂